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“Brasil polifônico”, entrevista com Davi Lago

Veja nosso bate-papo com o autor e saiba mais sobre o lançamento da MC

Em abril, a MC lançou Brasil polifônico: Os evangélicos e as estruturas de poder, livro escrito por Davi Lago, pastor, pesquisador e mestre em Teoria do Direito. Na obra, Davi resgata os marcos civilizatórios da sociedade moderna e os princípios da teologia política, aplicando-os à complexa realidade brasileira.

Por meio de uma profunda e envolvente reflexão, o autor apresenta as influências que a tradição judaico-cristã e a reforma protestante oferecem ao arcabouço jurídico e político ocidental, razão pela qual ele estimula o heterogêneo segmento evangélico e os setores não evangélicos da sociedade a contribuírem para um ambiente de respeito e tolerância.

Apostando no caminho do diálogo e da mútua consideração, e sem deixar de lado a necessária autocrítica, Davi organiza os fundamentos conceituais e históricos que norteiam e inspiram a busca de uma convivência democrática para o bem da nação e compartilha ricos insights para a construção de um Brasil melhor.

Para trazer a você, leitor MC,

mais informações sobre a novidade, conversamos com Davi. Na entrevista, ele fala sobre os objetivos que o levaram a escrever Brasil polifônico, elucida caminhos para a superação da crise política no Brasil, esclarece a importância da laicidade estatal e divide muitas outras curiosidades sobre a publicação. Um conteúdo riquíssimo que você não pode perder. Confira!

Brasil polifônico. Do que trata a obra? O que o levou a escolher esse título?

Brasil polifônico traz elementos históricos, jurídicos e teológicos que contribuem de modo conceitual e prático para dissipar trevas no atual debate político brasileiro. O título escolhido aponta a perspectiva do texto: neste momento de desequilíbrio e polarização em que vivemos, é necessário apontar os laços que nos unem (o Brasil, a nação, o consenso, a Constituição Federal) e, ao mesmo tempo, reconhecer os diversos timbres, vozes, matizes e crenças que compõem a riqueza de nossa cultura, história e futuro (o polifônico, o plural, o heterogêneo).

O subtítulo “os evangélicos e as estruturas de poder” aponta um conjunto importante de vozes na República (as diversas confissões protestantes) que não pode mais ser interpretado de modo infantil. O livro é um convite ao amadurecimento do diálogo público nacional.

Qual foi o seu objetivo ao escrever o livro? A quem ele é destinado?

Meu objetivo foi trazer lucidez e racionalidade às nossas discussões político-culturais saturadas de inconsistências e partidarismos rasos. O livro é para todos os brasileiros e brasileiras interessados em resgatar diálogos políticos produtivos. 

Brasil polifônico também traz pesquisas jurídicas, filosóficas e sociais que serão úteis aos estudantes e pesquisadores de ciências jurídicas, históricas, políticas e outras ciências sociais.

De que forma o debate político brasileiro pode se tornar profícuo, livre da demagogia, dos achismos, da fanfarronice e do oportunismo que estancam o desenvolvimento do País e afetam negativamente a vida da população?

O livro aponta a importância, antes de tudo, de reafirmarmos e revalorizarmos nossos marcos civilizacionais. Vivemos em um período conturbado com sobrecarga de informação e muita irracionalidade. Por isso, as discussões políticas precisam ser passadas a limpo.

Precisamos rememorar nossos consensos mínimos, como a coerência da linguagem, a relevância de uma racionalidade humilde, a importância da legalidade, dos Direitos Humanos.

Além desse resgate, o livro aponta a necessidade de criarmos um ambiente sério, aberto e dialogal e de desenvolver a educação em seus múltiplos níveis, para que nossos debates avancem de modo civilizado e ético.

Quais são as características da boa política e do bom cidadão engajado politicamente?

Boa política e avanço social ocorrem com muito trabalho em frentes distintas. Podemos apontar algumas: é necessário contato com realidades diferentes, pessoas e ideias opostas, convívio verdadeiro com o outro. Não bastam boas motivações. O discernimento aumenta também com o estudo acadêmico.

É necessário compreender melhor as estruturas do Estado Democrático de Direito, as regras do jogo democrático. Também precisamos urgentemente de pessoas criativas, capazes de pensar o todo, elaborando caminhos que alcancem o bem da totalidade dos brasileiros. Assim, por meio desse contexto, temos uma noção das características da boa política e do bom cidadão engajado politicamente.

Como podemos resolver de forma contundente, prática e eficaz as questões relativas à crise política no Brasil?

Levando a discussão política a sério e não com piadas sem graça, bravatas moralistas e cinismo desbotado. Não caindo na tentação do imediatismo infantil, das respostas superficiais. Problemas profundos exigem respostas igualmente densas. Somos duzentos milhões de brasileiros com possibilidades concretas de progresso, mas também com mazelas, problemas e sofrimentos graves e palpáveis.

Percebe-se na arena pública hoje um grande falatório e uma luta para alcançar o poder pelo poder. Para resolvermos problemas de modo eficaz, precisamos de ações adultas: criarmos espaços para discussões com credibilidade, conectarmos lideranças de diferentes campos da sociedade brasileira, identificarmos consensos entre os diversos grupos ainda que sejam mínimos, ouvirmos as demandas de todos, esboçarmos juntos um projeto de país.

Verdadeira política demora acontecer, pois exige esforço. Boa política surge ao se gastar muita saliva dialogando, muitas solas de sapatos caminhando, muitos neurônios raciocinando. Um país desenvolvido não cai pronto do céu.

É possível criarmos uma sociedade livre, justa e solidária? Isso é apenas uma utopia ou é um projeto possível de ser realizado?

Nossa Constituição Federal afirma que a construção de uma sociedade livre, justa e solidária é nosso objetivo enquanto nação. Esse é nosso norte, nosso rumo. Outras nações da sociedade global e civilizações do passado comprovam que é possível, sim, melhorar — e muito — nosso modo de fazer política, de impulsionar a educação e abrir um futuro com maior bem-estar para o povo brasileiro.

No livro, você aponta para o aumento do contingente de evangélicos no Brasil e elucida a importância dessa população ser ouvida e se fazer ouvir. De que forma a participação de cristãos evangélicos pode ser benéfica para a sociedade brasileira, sem cair em imposições de determinada cosmovisão sobre outras que dinamizam no cenário cultural da nação?

Os “evangélicos”, nomenclatura mais comum utilizada, grosso modo, para se referir aos grupos com maior ou menor ligação com a Reforma Protestante, ocupam espaço significativo na população brasileira: algo em torno de 32%, conforme pesquisa Datafolha do fim de 2017. Esse grupo, bastante heterogêneo, é tratado de modo bem simplório na grande mídia. O livro joga luz nessas questões e também o faz pelo outro ponto de vista: Brasil polifônico alerta os professos protestantes contra os projetos obscuros de poder.

Líderes “evangélicos” assanhados pelo poder distanciam-se do protestantismo histórico e se tornam políticos com traços medievais, com posturas de “cruzados” de seus próprios apetites. Os evangélicos brasileiros contemporâneos serão úteis na arena pública se seguirem os passos dos protestantes históricos que participaram da fundação da política moderna.

O protestantismo tem uma belíssima herança política que vem da sistematização da educação pública moderna, com João Calvino, em Genebra, à conquista dos Direitos Civis nos Estados Unidos, com o pastor batista Martin Luther King Jr, por exemplo.

De que forma a vivência do cristianismo autêntico, pautado pelos valores da Bíblia Sagrada, pode fazer com que o cidadão que professa essa fé atue de forma a cooperar para a formação de uma sociedade mais tolerante e justa para todos?

Atribui-se a George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos, a frase: “é impossível governar sem a Bíblia”. De fato, a Bíblia Sagrada está na base e inspiração dos grandes marcos da civilização contemporânea. O livro Brasil polifônico mostra, por exemplo, a influência cristã direta sobre os conceitos de cidadania universal, tolerância e dessacralização das estruturas do poder.

 A laicidade estatal é algo positivo? Por quê?

Sem dúvida alguma a laicidade estatal é positiva, pois é o mecanismo filosófico-jurídico que permite a coexistência de múltiplas confessionalidades religiosas/ideológicas na mesma sociedade, com a resguarda dos direitos fundamentais.

Laicidade estatal e liberdade religiosa/ideológica são duas faces da mesma moeda. Na verdade, em termos conceituais, só existirá liberdade religiosa/ideológica em um estado laico. A construção da laicidade estatal é historicamente um legado direto da tradição judaico-cristã para os sistemas políticos.

Quais são as características de uma sociedade genuinamente democrática? De que forma a pessoa, religiosa ou não, deve se portar para a busca de soluções que sejam benéficas a todos, sem privilegiar uma ou outra parte?

O livro reconstrói as origens da democracia como forma de governo. Atribui-se a Churchill o gracejo: “a democracia é a pior forma de governo com exceção de todas as outras”. A noção básica da democracia é a regra da maioria: aquilo que a maioria determina deve se cumprir. Contudo, em sociedades plurais e complexas, a regra da maioria é contraposta com a resguarda dos direitos fundamentais das minorias.

Utilizamos o termo “democracia” hoje em dia principalmente como uma oposição à “tirania”. Contudo, o estudo do assunto mostra que podem surgir tiranias dentro das democracias, como a “tirania da maioria”. Brasil polifônico reafirma outros aspectos conceituais de “democracia”, para que possamos, de fato, erguer uma “cultura democrática” com tolerância e criatividade.

Como podemos contribuir para a formação de uma cultura democrática e ética no Brasil? De que maneira essa cultura afeta positivamente o dia a dia do cidadão?

Uma “cultura democrática” seria uma cultura sem imposições?  Uma “cultura ética” seria uma cultura sem corrupção? Democracia e ética são termos desgastados, por isso é muito importante resgatarmos seus significados, ou salientarmos em que sentido os tomaremos na fala. Os gregos antigos utilizavam a expressão “virtude cívica” para se referir à atitude saudável dos cidadãos em relação aos assuntos públicos.

  Chamamos isso hoje de “cidadania”. Creio que para sermos melhores cidadãos precisamos buscar um equilíbrio maior em nossas atividades: precisamos nos dedicar aos assuntos privados e aos públicos. O grande perigo é justamente o absoluto abandono dos temas públicos aos “políticos profissionais” enquanto seguimos em nossas vidas privadas.

O resultado da falta de fiscalização e interesse é o estado do Brasil atual: recordes de corrupção em escala planetária e histórica. As pessoas gostam de exigir direitos, mas não de assumir responsabilidades. Precisamos ser mais responsáveis com nossos votos, fazer o dever de casa. A mudança de mentalidade em relação aos temas públicos invariavelmente levará o Brasil a um tempo de maior desenvolvimento social.

Quais foram as principais bases teóricas que você utilizou para fundamentar o livro?

Brasil polifônico é fruto de anos de pesquisas, leituras e conversas. O texto carrega uma ampla bibliografia que inclui meus estudos na dissertação de Mestrado “A influência do calvinismo na fundação da democracia norte-americana”, de 2012, pela PUC Minas.

Estão presentes autores que moldaram o pensamento ocidental e a política moderna; também as vozes de autores contemporâneos nacionais, como os economistas Eduardo Gianetti, André Lara Resende e o sociólogo Sérgio Abranches.

O que os leitores podem esperar da obra?

A elucidação de temas centrais do atual debate público brasileiro. Em especial, o leitor pode esperar caminhos práticos para compreensão do legado protestante político e suas implicações diretas e indiretas para o Brasil.

Uma mensagem aos leitores.

Precisamos superar impasses elementares no debate político brasileiro. Rui Barbosa disse após retornar de Haia: “vi as nações da terra reunidas e aprendi a não me envergonhar da minha”. Somos brasileiros, somos irmãos. Vamos conversar sério sobre nosso futuro comum. Menos olho por olho, mais olho no olho. Você também vai gostar de ler!William Douglas e Davi lago, autores de “Formigas”, em bate-papo com a MCConheça:Convulsão protestanteO Brasil tem cura

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