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“Estresse pós-traumático”: O que é? Como tratar?

Entrevista com Karen Bomilcar, autora de “Corpo como palavra”

Eventos dramáticos, como a eclosão da pandemia da COVID-19, em que perdas, limitações e sentimento de vulnerabilidade se tornam pautas do dia, cuidar da saúde emocional é imperativo. Os impactos psicológicos da pandemia chamam a atenção dos profissionais da área médica e estão na lista de prioridades dos órgãos de saúde pública.

Um estudo da Universidade de Flinders, na Austrália, publicado em janeiro de 2021 na revista científica Plos One, sinalizou que o contexto da pandemia — indicada como um estressor global — é capaz de desencadear sintomas de Transtorno de Estresse Pós-traumático, o TEPT (Jornal da USP, 2021), um estado de aflição psicológica que requer suporte adequado.

Para saber mais sobre o assunto, conversamos com Karen Bomilcar, autora do livro Corpo como palavra: Uma visão bíblica sobre saúde integral. Karen é graduada em Psicologia pela Universidade Mackenzie, possui especialização em Psicologia Clínica Hospitalar pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), e é mestre em Teologia e Estudos Interdisciplinares pelo Regent College, no Canadá. Ela integra o Young Leaders Generation (YLGen) e é mobilizadora da rede “Saúde para todas as nações”, do Movimento Lausanne. Atualmente, reside em São Paulo, onde trabalha como psicóloga hospitalar na área de saúde pública e como psicóloga clínica, e leciona nas áreas de Aconselhamento, Espiritualidade Cristã e Saúde no Seminário Teológico Servo de Cristo e no Centro Cristão de Estudos.

Em entrevista à MC, a psicóloga compartilha informações úteis sobre o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), dá orientações quanto ao acolhimento e tratamento de quem sofre e deixa uma mensagem aos leitores da MC.

Mundo Cristão: Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). O que é?

Karen Bomilcar: O TEPT é o nome atribuído a um transtorno que pode se apresentar após um evento traumático, seja ele um acidente, o sofrimento de alguma violência física, sexual, emocional, perdas significativas, desastres naturais ou de saúde pública, traumas coletivos, diagnósticos de doenças etc. Pessoas que testemunham esses eventos e não necessariamente foram vítimas diretas também podem ser diagnosticadas com esse quadro.

Quais sintomas apresenta?

No TEPT, a pessoa pode sofrer com lembranças constantes da situação ocorrida e que podem gerar sintomas e reações físicas, entre elas enjoos, tremores, taquicardia e sudorese, como se o evento estivesse se repetindo. As pessoas que sofrem com TEPT podem iniciar comportamentos de afastamento de situações ou pessoas que a remetam ao evento traumático.

Há uma faixa etária mais propensa a esse transtorno?

Não necessariamente uma faixa etária, são múltiplos fatores que podem fazer com que uma população seja mais propensa ao TEPT. Alguns estudos apontam que mulheres são mais propensas do que homens, por exemplo.

Como diferenciar o transtorno de estresse pós-traumático de uma ansiedade considerada não patológica, mas que é uma resposta comum da estrutura psíquica humana a contratempos e desafios do dia a dia?

Assim como diferenciamos expectativas naturais e tristezas da vida cotidiana de processos ansiosos e depressivos. Uma escuta cautelosa do histórico e dos fatores que provocam essa ansiedade são fundamentais. A ansiedade pode ser uma característica deste quadro mais amplo do TEPT, mas é preciso fazer uma escuta dos eventos traumáticos e violentos que ocorreram, compreender aspectos emocionais que já fazem parte da dinâmica e personalidade de cada um, entre outras medidas. No TEPT também podem ocorrer sintomas depressivos, perda de interesse nas atividades e rotina, etc.

Como tratar o transtorno de estresse pós-traumático?

Reconhecer e compartilhar a experiência para tratá-la é importante. Para alguns, grupos temáticos de compartilhamento podem ser terapêuticos; para outros, o processo de terapia é eficaz em ressignificar o evento traumático e encontrar caminhos para seguir. E, para alguns, a medicação aliada a esses demais cuidados (e não apenas a medicação sozinha) pode ser necessária e útil, como o uso de medicações para a ansiedade e a depressão.

Visto que muitas pessoas recorrem às comunidades de fé e aos seus pastores e líderes em momentos de aflição, como a igreja deve se preparar para uma possível crescente de membros acometidos por doenças emocionais, como a depressão e a ansiedade, durante e depois da pandemia?

Um ponto central é o reconhecimento de que muitas destas questões relacionadas a doenças emocionais existem, são legítimas e multifatoriais (podem ser orgânicas, geradas por fatores externos, por conflitos relacionais etc). A igreja faz um desserviço quando em alguns contextos ignora o sofrimento humano. É preciso pensar nisso de forma equilibrada, para não patologizar tudo nem espiritualizar demasiadamente.

A pandemia é um fator que trouxe à tona uma série de manifestações de sofrimento, e viveremos alguns anos ainda lidando com os efeitos emocionais (e outros). Precisamos criar espaços para o diálogo, reafirmar a importância das nossas práticas espirituais para além das celebrações dominicais. Precisamos abrir olhos e ouvidos para que o auxílio e acolhimento das pessoas seja feito de forma integral: no que diz respeito à vida espiritual em suas práticas e também ao autocuidado (que pode incluir profissionais de saúde, como instrumentos do cuidado de Deus com as pessoas, uma vez que Deus nos presenteou com conhecimento e sabedoria da ciência também).

Aliás, em Corpo como palavra, você chama a atenção dos leitores para o fato de que as comunidades de fé estão despreparadas quando o assunto envolve saúde mental. Por que isso acontece? Como superar tal situação? 

Creio que muito do despreparo vem da forma com a qual fomos reproduzindo uma visão antiga e cindida em que separamos alma, espírito e corpo, como se um não influenciasse no outro. E, portanto, quando há algum adoecimento psíquico, temos dificuldade em reconhecer e integrar.

Na área da saúde mental, assim como na dimensão da espiritualidade, há muito da dimensão do mistério, que não conseguimos dar respostas objetivas para questões subjetivas. Acolher e caminhar com as pessoas enquanto buscamos recursos espirituais, emocionais (e de ordem biológica, às vezes) é um caminho de vulnerabilidade e interdependência que precisamos andar juntos e junto com Deus.

Muitos cristãos têm certa resistência ao buscar ajuda de psicólogos ou psiquiatras para tratar de problemas emocionais. O que diria a eles?

Que assim como quando há sofrimento físico buscamos na ciência e na medicina um tratamento, por vezes o agravamento de condições psíquicas necessita de cuidado especializado. Deus nos presenteia com o conhecimento científico para o nosso bem e o bem comum. É importante lembrar quem é o Criador e as manifestações desta Graça para a humanidade.

Em Corpo como palavra, você sinaliza a importância do diálogo interdisciplinar entre a teologia, a psicologia e a medicina. Quais benefícios ele traz? Quais barreiras e tabus precisam ser derrubados para que esse diálogo aconteça?

Esse olhar holístico, essa visão mais ampla e integral é importante. A medicina e a psicologia não são substitutas nem concorrentes da teologia ou do cuidado espiritual. Dialogar com outras esferas do conhecimento, reconhecendo suas possibilidades e limitações, é também reconhecer a amplitude da bondade e do cuidado de Deus nos oferecendo recursos para viver melhor e de forma mais integrada, retendo o que é bom.

“Dialogar com outras esferas do conhecimento, reconhecendo suas possibilidades e limitações, é também reconhecer a amplitude da bondade e do cuidado de Deus nos oferecendo recursos para viver melhor e de forma mais integrada, retendo o que é bom.”

Karen Bomilcar

O que diria aos leitores que sofreram perdas durante a pandemia da COVID-19 e se sentem deprimidos e ansiosos? Como superar questões como medo, saudade, angústia e frustração e seguir adiante?

Não há uma receita para todas as pessoas, cada um de nós está inserido em circunstâncias específicas, contextos sociais diferenciados, contando ou não com redes de apoio, sofrendo por questões físicas junto com as questões emocionais e espirituais. Mas entendo que o primeiro passo para lidar com o impacto das perdas e dos sentimentos que advêm deste momento é a fala e a escuta. Reconhecer e nomear esses sentimentos, não ignorá-los, compartilhá-los e trazê-los à luz para que possam ser tratados, superados ou, até mesmo, para que aprendamos a conviver com aqueles sentimentos que permanecerão conosco ao longo da vida.

Uma mensagem final.

Desejo que possamos conhecer mais a Deus e mais a nós mesmos, reconhecendo nossos limites, possibilidades, vulnerabilidades e a ação de Deus em nossa humanidade. Desta forma, conseguiremos acolher com mais compaixão as pessoas, dialogar com os diferentes, nos percebermos todos dependentes de Deus e interdependentes, andando juntos e sinalizando o Reino de Deus, inclusive através das nossas fragilidades.

Fique por dentro!

Corpo como palavra: Uma visão bíblica sobre saúde integral, escrito por Karen Bomilcar, é um livro cristão sobre saúde física, mental, relacional e espiritual. Nele, a psicóloga apresenta, sob a perspectiva da saúde pública e da teologia, a conexão entre ciência e fé para compreender a criação divina como um todo inseparável: mental, espiritual e físico. Sua abordagem integra os fatores biológicos, psicológicos, espirituais e culturais que condicionam o ser humano, revelando um cuidado especial no tratamento adequado de pessoas em situações de adoecimento.

A partir de uma instigante reflexão sobre a interface entre fé, saúde e comunidade, Karen convida os leitores — e a igreja — a acolher a fragilidade e a promover, sob a ótica da ressurreição, a restauração individual e comunitária, sempre atentos às carências e aos questionamentos da sociedade.

O resultado é um livro fascinante, repleto de informações e princípios de vida para quem deseja compreender a saúde numa perspectiva integral, e implementar ações que visam ao autocuidado e ao acolhimento de quem sofre.

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