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O segredo das autobiografias

“O passado forma quem somos, mas não precisa determinar quem seremos”, escreve
Philip Yancey em artigo sobre seu livro de memórias “Onde bateu a luz”

Por Philip Yancey

Quando decidi escrever uma autobiografia, fui à biblioteca e, metodicamente, examinei cada livro de memórias que havia nas estantes. Durante anos, escrevi livros baseados em ideias e agora precisava aprender a escrever uma narrativa pura. Um livro de memórias deve simplesmente contar uma história, sem análise ou comentário.

Em pouco tempo, encontrei o tipo de autobiografia que não queria escrever. Algumas pessoas vivem vidas tão aventureiras que meramente relatam os fatos. Um bom exemplo: os dois volumes de Malcolm Muggeridge, Chronicles of Wasted Time [Crônicas do tempo perdido]. O título irônico reflete o julgamento de Muggeridge nos anos anteriores à sua conversão ao cristianismo. (Seu livro Jesus Rediscovered [Jesus Redescoberto] conta a história da conversão). Ao contrário de Muggeridge, não morei em Moscou nem em Calcutá e não vi sentido em uma autobiografia de toda a minha vida. Francamente, a vida da maioria dos escritores é chata; sentamos diante de um teclado o dia todo.

Eu sabia que meu próprio livro de memórias precisava se concentrar em eventos da infância e adolescência. Annie Dillard comentou uma vez que os escritores continuam trazendo à tona sua infância porque foi a única vez que eles realmente viveram. Logo me deparei com o escritor irlandês Roddy Doyle, que ganhou o Booker Prize do Reino Unido por Paddy Clarke Ha Ha Ha. O título esquisito chamou minha atenção e, ao ler Doyle, fiquei intrigado com sua tentativa de reproduzir o ponto de vista de uma criança. Tudo no livro é visto e interpretado pelos olhos de Paddy Clarke, um menino de dez anos em 1968.

Eu queria fazer algo semelhante: capturar como é aprender a ler, crescer sem pai, brigar com meu irmão, suportar cultos chatos na igreja, morar em um trailer, sofrer bullying na escola, confrontar meu próprio racismo para sobreviver a uma adolescência atrevida e cínica. Eu queria representar as etapas da minha vida como se estivessem se desenrolando em tempo real, com um ponto de vista em desenvolvimento em vez de estabelecido.

Onde bateu a luz foi lançado [nos Estados Unidos] em outubro [de 2021] e, desde então, tenho recebido vários milhares de respostas. Noventa por cento deles relatam algo da história do próprio leitor. (Eu não cresci no sul racista, mas era igualmente ruim em Chicago… Suas histórias da igreja me lembram meus dias de Adventista do Sétimo Dia…) Eu entendo. Li várias centenas de memórias enquanto escrevia as minhas, e cada uma despertou uma lembrança da minha juventude que, de outra forma, provavelmente não teria recordado.

Aqui está o segredo das autobiografias: elas são mais sobre o leitor do que sobre o escritor. As boas tocam acordes de ressonância, convocando cenas da própria vida do leitor, para reflexão e contemplação.

“Aqui está o segredo das autobiografias: elas são mais sobre o leitor do que sobre o escritor.”

Philip Yancey

Algo inesperado aconteceu enquanto eu trabalhava em minhas memórias. As duas dúzias de livros baseados em ideias que eu trabalhei durante quatro décadas, de repente, pareciam incompletos. As ideias podem ser abstrações, coisas em que podemos acreditar, mas nunca agir totalmente de acordo. Um livro de memórias apresenta a vida em toda a sua crueza. Eu costumava usar histórias pessoais em meus livros baseados em ideias, embora sempre para ilustrar um ponto. No entanto, a vida às vezes não tem sentido. O tempo não amarra tudo, mas deixa pontas soltas, erros irreparáveis, relacionamentos mal resolvidos.

As pessoas me perguntam: “Foi doloroso trazer à tona aqueles momentos difíceis?” Sinceramente, não foi. Senti que estava trazendo ordem à desordem, juntando cenas do passado na esperança de dar mais sentido ao presente. Meus livros baseados em ideias ganharam nova luz porque escrevi uma espécie de prequela, preenchendo o pano de fundo.

Escrevo sobre dor e sofrimento porque deparo-me com minha parte. Escrevo sobre a graça porque só a encontrei na idade adulta, e o primeiro grande gole matou minha sede. Escrevo sobre Jesus por causa de um encontro com ele que não procurei nem desejei.

Ao escrever um livro de memórias, aprendi que, embora não possamos mudar o passado, talvez possamos evitar que ele tiranize o presente. O passado forma quem somos, mas não precisa determinar quem seremos.

[…]

Artigo traduzido e publicado com autorização do autor. Publicado originalmente em philipyancey.com: https://philipyancey.com/the-secret-of-memoirs

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