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O que torna uma igreja tóxica?

Em texto sobre sua recente autobiografia, Onde bateu a luz, Philip Yancey aborda uma questão preocupante: a toxicidade que invade a igreja e impacta negativamente o testemunho cristão na sociedade 

 Por Philip Yancey

Em minha autobiografia, Onde bateu a luz, eu uso muitas vezes o termo igreja tóxica para descrever a forma extrema de fundamentalismo sulista sob a qual cresci. Eu brinco que estou “em recuperação”, um processo de desintoxicação, desde então.

“Diga-me” — perguntou um entrevistador de podcast —, “o que torna uma igreja tóxica?”.  Três características imediatamente me vieram à mente.

MEDO. Lembranças da igreja da minha juventude evocam sentimentos de medo e vergonha. Era difícil ouvir o evangelho como boa notícia quando a maioria dos sermões se concentrava no pecado e no inferno. Ao longo de décadas, as igrejas jogaram com muitos medos: um presidente católico (John F. Kennedy), o Armagedom, o comunismo, a Grande Tribulação, os anos 2 mil, a AIDS, o humanismo secular, os homossexuais, o socialismo, a Nova Ordem Mundial, a COVID-19. Alguns desses medos se mostraram legítimos, mas outros beiram as teorias da conspiração.

“O perfeito amor afasta todo medo”, diz 1João 4.18. Uma igreja saudável não usa táticas de intimidação para manipular emoções. Tampouco nega que enfrentaremos situações assustadoras. Em vez disso, direciona pessoas medrosas a um Deus confiável. Os Salmos e os Profetas demonstram claramente o padrão: repetidas vezes, um povo que enfrenta catástrofe é lembrado de um Deus que não está apreensivo. “Aquietem-se e saibam que eu sou Deus”, aconselha o Salmo 46, mesmo quando as nações estão em alvoroço e as montanhas, tremendo.

Sim, devemos lutar contra a injustiça e responder à tragédia, mas desde uma posição de calma e compaixão. O mundo ainda está se recuperando de uma pandemia que afetou quase todos no planeta. Conversei com pastores que descreveram congregações dilaceradas pela raiva e pelo medo em relação a vacinas e máscaras. É isso o melhor que podemos fazer para representar Aquele que o apóstolo Paulo descreve como “Pai misericordioso e Deus de todo encorajamento.”?

EXCLUSÃO. A igreja de minha infância em Atlanta colocou diáconos na porta para afastar como “criadores de problemas” qualquer pessoa negra que tentasse comparecer. Graças a Deus, nossa sociedade ultrapassou esse tipo de racismo declarado e legalizado —  e ainda assim o preconceito persiste de outras formas.

O apóstolo Paulo, outrora um fariseu que não se dignava a tocar um gentio, escravo ou mulher, estabeleceu este firme princípio após sua conversão: “Não há mais judeu nem gentio, escravo nem livre, homem nem mulher, pois todos vocês são um em Cristo Jesus”. De uma só vez, ele desmantelou os muros que separavam raça, classe e gênero. No entanto, a igreja nunca parou de lutar com essas mesmas questões.

“Se você quer crescer no amor, a maneira de fazer isso provavelmente não será frequentando mais estudos bíblicos ou reuniões de oração; isso acontecerá aproximando-se de pessoas que não são como você”, escreve o pastor canadense Lee Beach. A graça é testada quando deparamos com pessoas que são diferentes de nós. Nós as acolhemos? Penso nas pessoas atraídas e acolhidas por Jesus: “hereges” (mulheres samaritanas), estrangeiros (um oficial romano), proscritos (prostitutas, cobradores de impostos, deficientes, leprosos).

Não conheço nenhuma igreja que exclua ativamente alguém de uma raça ou classe social diferente, mas conheço muitas igrejas que simplesmente “por acaso” são formadas por pessoas da mesma classe, raça e convicção política. Que tipo de boas-vindas um sem-teto ou imigrante receberia em tal congregação? Talvez em reação à minha criação racista, agora, quando entro em uma nova igreja, quanto mais seus membros se assemelham e se parecem comigo, mais desconfortável me sinto.

RIGIDEZ. A rigidez da igreja pode assumir muitas formas. Em casos extremos, um pastor autoritário pode criar uma atmosfera quase cultual. Uma série de podcasts populares produzidos pela Christianity Today traça a ascensão e queda da Mars Hill Church, em Seattle, que Mark Driscoll levou a um crescimento explosivo, apenas para vê-la implodir sob seu estilo abusivo. Um psicólogo amigo meu que estudou pastores estima que 80% deles têm fortes tendências narcisistas. Por que não? Nós os elevamos, literalmente, em plataformas, e atribuímos a eles a elevada tarefa de nos dizer em que acreditar e como nos comportar.

Com muita frequência, os líderes narcisistas se concentram em pontos menores da doutrina e perdem a mensagem principal, a do amor ilimitado de Deus pelos seres humanos afastados. O Evangelho de João descreve Jesus como “cheio de graça e de verdade”. As igrejas rígidas inclinam-se fortemente para o lado da “verdade” dessa balança, muitas vezes acumulando regras de comportamento que a Bíblia nunca menciona.

Leia aqui no blogue MC: “Moralismo sem alma

Mais uma vez, o apóstolo Paulo mostra um estilo mais flexível. “Portanto, permaneçam firmes nessa liberdade, pois Cristo verdadeiramente nos libertou”, declarou ele aos gálatas, opondo-se veementemente àqueles que insistiam em que os seguidores de Jesus se submetessem à prática judaica da circuncisão. No entanto, ele voluntariamente fez um voto ritual estrito (Atos 18, 21), para se identificar com os crentes judeus. Da mesma forma, dependendo da maturidade espiritual da igreja à qual ele se dirigia, ele modificava seu conselho sobre questões como feriados pagãos e comer carne que havia sido oferecida a ídolos.

Paulo resumiu sua abordagem: “Sim, tento encontrar algum ponto em comum com todos, fazendo todo o possível para salvar alguns”. Ele sabia quais questões teológicas e éticas enfatizar e quais minimizar. Ele via a rigidez sobre desentendimentos menores como uma séria ameaça à unidade da igreja. A existência de cerca de 54.000 denominações no mundo indica que nem todos seguiram o estilo de Paulo.

Uma igreja saudável…

Na última noite inteira com seus discípulos, Jesus estabeleceu uma fórmula para a liderança saudável da igreja (João 13-17). Primeiro, ele se levantou da refeição e lavou os pés dos discípulos, para grande desconforto deles. Ele demonstrou que bons líderes não se apegam a privilégios narcisicamente. Muito pelo contrário: eles servem a quem lideram.

A seguir, Jesus deu um mandamento primordial que supera a exclusão: “Seu amor uns pelos outros provará ao mundo que são meus discípulos”.

Por fim, ele orou pela unidade — não apenas pelos discípulos, mas por todos na história que o seguiriam. Nada daria um testemunho mais poderoso de sua mensagem. Em sua oração, Jesus disse: “Que eles experimentem unidade perfeita, para que todo o mundo saiba que tu me enviaste e que os amas tanto quanto me amas”.

Serviço, amor, união — Jesus nomeou essas como marcas principais de seus seguidores. Você já perguntou a um estranho: “Quando digo a palavra cristão ou evangélico, qual é a primeira coisa que lhe vem à mente?” Eu o fiz, e nem uma, nem uma vez, ouvi alguém responder com uma dessas três palavras.

Tenho visitado algumas vezes uma megaigreja com um auditório escalonado. Ao olhar para o palco iluminado abaixo, sinto como se estivesse em um jogo da NBA, com 10 mil espectadores torcendo por dez profissionais em quadra. Parece-me que isso é o oposto de uma visão bíblica da igreja. Os adoradores se reúnem não como espectadores para serem entretidos, mas como participantes ativos. Ao passo que as toxinas chegam aparentemente sem esforço à igreja, uma igreja saudável exigirá vigilância de todos os seus membros.

Enquanto isso, o verdadeiro público fica do lado de fora, esperando para ver se realmente representamos Jesus por meio de nossos atos de serviço, amor e união.

Artigo traduzido e publicado com autorização do autor. Publicado originalmente em philipyancey.com: “What makes a church toxic” https://philipyancey.com/what-makes-a-church-toxic

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Você está desiludido com as incoerências e o abuso de poder em sua igreja?

1 Comentário

  • José Barbosa
    Posted 14/01/2024 at 14:41

    Boa tarde!
    Eu não sei de qual dominação pertence este site, embora isso seja insignificante saber, uma vez que, o que importa mesmo é a mensagem esclarecedora a respeito do amor de Deus para conosco.
    Ao ler o resumo do livro “Azorrague” do autor Antônio Carlos Costa, lembrei-me do Evandro Moretti, que aborda assuntos contra o Sistema Religioso(ele têm vídeos gravados no YouTube), do qual adoece as pessoas por falta de discernimento das Escrituras Sagradas.
    Essas pessoas são manipulados por falsos pastores que ensinam a palavra de forma contraditória aos ensinamentos de Cristo. Portanto, é de suma importância termos ciência do verdadeiro conhecimento das Escrituras através dos bons livro, que vi aqui neste site.
    Muito obrigado pelo conhecimento compartilhado.

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